Um filme-relíquia dos anos 7011ª Mostra Londrina de Cinema começa amanhã. No domingo, será exibido o longa Daniel, o capanga de Deus
Numa cena do filme Daniel, o capanga de Deus, um profeta sai das águas poluídas do Rio Tietê, em São Paulo, e diz: “Tudo tende a piorar muito”.
Trinta e um anos depois, o escritor e cineasta paulista João Baptista Reimão recorda aquela cena; foi a sua única aparição no que seria o seu único longa-metragem. “Tive meu momento Hitchcock”, brinca Reimão, em entrevista por telefone ao JL, desde Piraju, cidade do interior paulista em que vive há muitos anos.
A cópia restaurada de Daniel, o capanga de Deus (1978). O filme foi recuperado graças ao empenho da filha do diretor, a artista plástica Isadora Reimão, com o apoio da Kinoarte (Instituto de Cinema e Vídeo de Londrina). Daniel é um dos destaques da 11ª Mostra Londrina de Cinema, que começa amanhã, com a exibição do curta-metragem Maria Angélica, do diretor londrinense Francelino França (1964-2006). Ambos filmes serão exibidos no Cine Com-Tour UEL.
O elenco do filme tem Arduíno Colassanti (no papel principal), Paulo César Peréio e Regina Duarte. A presença da então Namoradinha do Brasil provocou polêmicas e até ameaças de processo no final dos anos 70, por conta de algumas fotos de nudez que teriam vazado da produção. Reimão diz que, hoje, retiraria cenas de sexo do filme. Mas continua entusiasmado pela ideia central do enredo: a história de um homem que foge da sociedade industrial e tenta construir o próprio mundo.
“Daniel desistiu da sociedade de consumo”
JL: O romance e o filme “Daniel, o capanga de Deus” contam uma história autobiográfica?
João Reimão: De certa maneira, sim. É a história de uma pessoa que desistiu da sociedade de consumo e procura formar uma clareira, um lugar onde se possa viver longe das amarras do dinheiro, das obrigações de adquirir algo fabricado. Um lugar em que o ser humano tenha a chance de viver do trabalho de suas mãos e do bom proveito que ele puder fazer da natureza.
João Reimão: De certa maneira, sim. É a história de uma pessoa que desistiu da sociedade de consumo e procura formar uma clareira, um lugar onde se possa viver longe das amarras do dinheiro, das obrigações de adquirir algo fabricado. Um lugar em que o ser humano tenha a chance de viver do trabalho de suas mãos e do bom proveito que ele puder fazer da natureza.
Um grupo de jovens vai para a Ilha de Itaparica e escolhem um lugar onde possam ter gaiolas, onde criem algas marinhas – que são um excelente alimento –; onde plantem alguma coisa para a sobrevivência – de uma maneira natural, sem agrotóxicos –; e onde possam fazer alguma coisa com suas próprias mãos, seja artesanato, seja arte. Nesse lugar, eles só vão adquirir da sociedade de consumo aquilo que não podem fazer: sal, pasta de dentes, essas coisas. A ideia do grupo era reduzir ao mínimo o que se precisa de sociedade de consumo.
E como as pessoas reagiram a essa história?
No Brasil dos anos 70, ninguém tinha consciência da ecologia. O cinema nacional só fazia pornochanchada. A repressão era forte; se alguém fizesse um filme declaradamente político, ficaria emperrado na censura, que era muito pesada e ignorante. Como eu não queria fazer uma pornochanchada, escolhi falar sobre uma nova forma de viver. E esse filme fez um certo sucesso entre os intelectuais brasileiros. Na época, o Canadá já vivia um problema ecológico muito sério.
Em 1978, o filme representou o Brasil no Montreal World Film Festival e foi premiado. Uma distribuidora canadense adquiriu os direitos de exibição do filme – o pagamento em dólares canadenses cobriu os custos de produção e até deu certo lucro, não exorbitante, mas considerável.
Por que Regina Duarte faz dois papéis?Qualquer homem tem um ideal de mulher na cabeça. É muito natural que a mesma mulher represente dois amores na vida de um homem. A primeira é a prostituta, que vive dentro de um clima poluído, e a mulher que busca igualdade e dignidade. Uma está em busca de dinheiro, vendendo a si mesma para sobreviver. A outra está em busca de princípios.
Por que o título “Daniel, o capanga de Deus”?
Eu me inspirei em personagens bíblicos e os atualizei. Daniel era um homem de fé que foi lançado a uma cova de leões, e as feras se afastaram dele. Nosso personagem em luta pela ecologia enfrenta os leões modernos, que são os poluidores. O personagem de Peréio, traidor de Daniel, no meu filme é um cafajeste. “O capanga de Deus” se explica porque existe um serviço sujo a ser feito no mundo, mesmo que isso se reverta em boas ações. Deus não faz as coisas terríveis com as próprias mãos: ele envia um capanga. E esse capanga é Daniel.
FONTE:JL RPC JORNAL DE LONDRINA 27/11/2009 Paulo Briguet http://portal.rpc.com.br/jl/edicaododia/conteudo.phtml?id=948778.
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